Após 16 anos da denúncia, Jessica Martinelli conseguiu prender o homem que a violentou quando era criança. Ela transformou sua história em um livro.
Aos 9 anos, Jessica Martinelli foi vítima de abuso sexual por um amigo da família. Os crimes se estenderam por cerca de dois anos e meio. Aos 15, tomou coragem para denunciar, mas encontrou inúmeros obstáculos no caminho. Hoje, ela atua como policial civil em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, e conseguiu prender seu agressor.
Agora, aos 33 anos, Jessica decidiu compartilhar sua trajetória em um livro, lançado no final de 2024. Intitulado "A Calha", a obra narra os desafios enfrentados até a prisão do criminoso e busca encorajar outras vítimas a denunciarem.
Enfrentando a dor e buscando justiça
Os abusos começaram quando Jessica tinha 9 anos e só terminaram aos 11, quando o agressor se afastou da família. Na época, ele tinha 33 anos. Apesar do trauma, a menina não se sentia confortável para contar o que aconteceu dentro de casa. “Eu precisava desabafar, então falava com amigas da escola e com uma vizinha”, relembra.
Foi por meio dessas conversas que a denúncia começou a tomar forma. Uma das amigas contou à mãe, que encorajou Jessica a falar sobre o caso. “Eu decidi contar para quem eu mais confiava: minha irmã”, relata. No mesmo dia, as duas foram à delegacia. Porém, o atendimento foi desanimador. “Tive que repetir a história inúmeras vezes até que alguém realmente ouvisse”, conta.
Mesmo com todas as dificuldades, Jessica nunca desistiu de buscar justiça. A experiência vivida na infância foi um dos fatores que a levaram a escolher a carreira policial. “Eu via imagens de mulheres na polícia e sentia que queria ser forte como elas”, explica. Mas, segundo ela, a decisão não foi motivada exclusivamente pela vingança. “Não entrei na polícia para prendê-lo, até porque não imaginava que o processo duraria tanto tempo. As coisas simplesmente aconteceram porque eu nunca parei de lutar”, afirma.
A captura do agressor
Em 22 de dezembro de 2016, Jessica teve a oportunidade de encerrar um ciclo doloroso. Seu agressor foi finalmente preso, e ela estava na equipe responsável pela detenção. “Quando estávamos a caminho, me senti como aquela menina de 11 anos de novo. Mas, ao mesmo tempo, sabia que agora eu era uma policial e estava ali para prendê-lo”, conta.
A ansiedade e o medo misturaram-se à sensação de alívio. “Meus colegas o revistaram, mas fui eu quem fechou a porta da cela. Foi o fim de um ciclo de 10 anos, extremamente doloroso, que nenhuma vítima deveria ter que passar”, desabafa.
O agressor, no entanto, já está em liberdade, pois foi condenado com base em uma legislação antiga. “Na época, os crimes eram classificados como ‘contra os costumes’. Hoje, são crimes contra a dignidade sexual”, explica.
Uma mensagem para outras vítimas
Jessica usa sua experiência para aconselhar outras vítimas de abuso. “A primeira coisa que digo é: você não tem culpa. Eu me sentia culpada por usar biquíni, por ser menina, por não ter contado antes. Mas a culpa nunca é da vítima”, enfatiza.
Ela reforça a importância de conversar com alguém de confiança. “Não guarde isso achando que vai desaparecer. Porque não desaparece. Chega um momento em que a dor explode.”
Além disso, incentiva a denúncia. “Acredito que a prisão do agressor é um passo importante no processo de cura”, conclui.